Há tempos atrás não era usual estrear
com um disco ao vivo, mas o MC5 quebrou essa barreira e no discurso de entrada publicado
na contracapa, escrito por John Sinclair – membro dos Panteras Brancas, a
esquerda norte americana – anunciava a revolução, pois era necessário acabar
com o capitalismo, com o individualismo exacerbado, a competição brutal e desmedidamente
desumana e brutal. Os anos 60 foi a década da contracultura, do questionamento
a ordem estabelecida, que através das utopias buscavam um estilo de vida
alternativo fosse pelas drogas, o LSD foi uma delas, e a música, no caso em questão,
o rock era o meio e a substância que faria o sistema implodir.
Foi lá na Detroit dos anos 60
onde tudo começou, o som lisérgico e totalmente energético e anárquico,
revolucionário, que pretendia viabilizar a qualquer custo a revolução era um
sintoma claro e inequívoco do desejo, do quinteto, de extrapolar todos limites
musicais vivenciando a liberdade plena e potencializar ainda mais a consciência
política e leva-la ao público através de seus instrumentos. As apresentações do
MC5 eram marcadas pelos ferozes discursos políticos, isto é, o público era
convocado a tomar parte na revolução que se iniciava com a entrada da banda no
palco agitando-se, atirando-se ao chão, dançando e fazendo o ambiente entrar no
clima, em outras palavras, a ordem e a lei morriam para o caos assumir.
Não tardou para as gravadoras
correrem atrás do grupo, a posição política do MC5 para a época nos EUA era
mais do que ousadia era um declaração completa anti sistema cuja cereja do bolo
era atear fogo na bandeira norte americana, uma blasfêmia para os conservadores,
e foi aí que surgiu a Elektra, que já
tinha os The Doors no cast, se interessou pelo grupo e o seu jogo perigoso e
resolveu fechar contrato com eles no mesmo dia. Ao invés de ser um álbum de
estúdio a proposta incomum foi a gravação de um disco ao vivo, mas como a
gravadora estava encantada com a nova aquisição do seu cast e aproveitando-se
do espírito da coisa toparam a empreitada e marcaram as gravações nos dias 30 e
31 de outubro de 1968, no Grande Ballroom em Detroit mesmo.
A banda tocava com o volume no
talo, as guitarras completamente distorcidas, propositadamente desafinadas, uma
cozinha desgrenhada e pesada de verdade, somadas a fúria dos vocais, e o som dos
amplificadores saiam distorcidos demais e para amenizar e tornar audível o som o
jeito encontrado, pela produção, foi colocar perto dos amplificadores os
microfones porque quanto mais longe estivesse mais distorcido e inaudível
ficava o som. Uma unidade móvel de gravação foi descolada para fazer a gravação
do disco. A expectativa era enorme em cima do disco que a priori que pensavam
que seria a nova mania do pedaço. O show agradou a plateia, a Elektra, menos a
banda que alegava já ter feitos outros bem melhores e mais livres do que aquele.
Apesar de ser uma apresentação furiosamente arrebatadora e caustica as
gravações não escaparam de a necessidade de serem corrigidas e numa tarde a
banda voltou ao local da apresentação e refez algumas faixas.
Lançado em fevereiro de 1969,
Kick Out The Jams colecionou polêmicas e rendeu dores de cabeça para o grupo
devido ao discurso e introdução declamado pelo mestre de cerimônia e líder espiritual
da banda J.C. Crawford cujo discurso, aquele que está impresso na contracapa já
citado, era completamente inflamado e incendiava a plateia trazia na última
frase, na parte final dela, a palavra filho da puta. Esse fato ensejou sabores
amargos e diversos revezes como, por exemplo, a devolução em massa dos álbuns
mediante a solene recusa em vender os álbuns por conta desse detalhe. A Elektra
tentou consertar, mas a banda não aceitou e também como não teve jeito de mitigar
a situação de trocar o filho da puta por irmãos e irmãs, a banda foi relegada ao
ostracismo comercial.
A verdade é que o MC5, apesar da
polêmica, trazia uma verdade que estava impressa no discurso de abertura do
disco: “eles eram a revolução”, mas mais do que isso o fio condutor de uma nova
forma de conceber e de vivenciar a música, de transformar a utopia em realidade,
e de cara o som rasgado e animalesco de “Ramblin’ Rose” está ali para lembrar dos
propósitos do grupo que deveriam ser levados a enésima potência. A brutalidade
de “Kick Out The Jams” que trazia abaixo os céus e faziam as ruas arderem em chamas
frente ao discurso catártico de Tyner era o anúncio da mudança. A inspirada “Come
Together” com suas toneladas de agressividade e transgressão que faziam tremer
e delirar, agitar e rolar frenética e descontroladamente sem pensar em outra
coisa que não seja uma outra vida, liberdade!
O espetáculo energético de “Rocket
Reducer no. 62 (Rama Lama Fa Fa Fa)” é a reafirmação de toda a contravenção
apresentada nesse registro que faria vibrar um Bakunin ou Kropotkin que sem
dúvida elegeriam este álbum como trilha sonora para a revolução proletária. A
rebeldia inconsequente e apaixonada de “Borderline” expurgava os limites em sua
visão de amor livre sem fronteiras e nem limites transbordavam em linhas de
violência instrumental de alta periculosidade, de desordem. Um blues power no sentido mais poderoso da palavra é encontrado em “Motor City Is
Burning” que nada mais é do que o grito contra o racismo, o libelo pacifista anti-Vietnã a crítica declarada
contra as mazelas sociais, “I Want You Right Now” é um rock direto, pesado e agressivo que conta com belos solos de guitarra. A viagem lisérgica e intergaláctica
de “Starship” absorve até a alma em sua viagem experimental dentro do rock e do
free jazz avassalador, uma canja brilhante de Sun Ra.
Mesmo tentando silenciar,
controlar, as atitudes do MC5 e fazê-los amansar não adiantou nada porque é
evidente desde o primeiro acorde tocado em Kick Out The Jams que estávamos de
frente para um novo estilo que acabava de nascer e transformaria o rock para
sempre e deitaria profundas e robustas influencias naqueles que vieram depois e
fundaram o movimento punk citando-os como as principais influências e escrevendo
em definitivo o nome de Detroit no cenário e tudo isso graças a um álbum
completamente inovador, em único suas propostas e que viu isto tudo se materializar
nas gerações posteriores, que simplesmente só podem dizer “Kick Out The Jams,
Motherfuckers!”.
Lista de músicas
A1 Ramblin' Rose
A2 Kick Out The Jams
A3 Come Together
A4 Rocket Reducer no 62 (Rama Lama Fa Fa Fa)
B1 Borderline
B2 Motor City Is Burning
B3 I Want You Right Now
B4 Starship
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