sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

MC5 - Kick Out The Jams (1969)




Há tempos atrás não era usual estrear com um disco ao vivo, mas o MC5 quebrou essa barreira e no discurso de entrada publicado na contracapa, escrito por John Sinclair – membro dos Panteras Brancas, a esquerda norte americana – anunciava a revolução, pois era necessário acabar com o capitalismo, com o individualismo exacerbado, a competição brutal e desmedidamente desumana e brutal. Os anos 60 foi a década da contracultura, do questionamento a ordem estabelecida, que através das utopias buscavam um estilo de vida alternativo fosse pelas drogas, o LSD foi uma delas, e a música, no caso em questão, o rock era o meio e a substância que faria o sistema implodir.  



Foi lá na Detroit dos anos 60 onde tudo começou, o som lisérgico e totalmente energético e anárquico, revolucionário, que pretendia viabilizar a qualquer custo a revolução era um sintoma claro e inequívoco do desejo, do quinteto, de extrapolar todos limites musicais vivenciando a liberdade plena e potencializar ainda mais a consciência política e leva-la ao público através de seus instrumentos. As apresentações do MC5 eram marcadas pelos ferozes discursos políticos, isto é, o público era convocado a tomar parte na revolução que se iniciava com a entrada da banda no palco agitando-se, atirando-se ao chão, dançando e fazendo o ambiente entrar no clima, em outras palavras, a ordem e a lei morriam para o caos assumir.

Não tardou para as gravadoras correrem atrás do grupo, a posição política do MC5 para a época nos EUA era mais do que ousadia era um declaração completa anti sistema cuja cereja do bolo era atear fogo na bandeira norte americana, uma blasfêmia para os conservadores,  e foi aí que surgiu a Elektra, que já tinha os The Doors no cast, se interessou pelo grupo e o seu jogo perigoso e resolveu fechar contrato com eles no mesmo dia. Ao invés de ser um álbum de estúdio a proposta incomum foi a gravação de um disco ao vivo, mas como a gravadora estava encantada com a nova aquisição do seu cast e aproveitando-se do espírito da coisa toparam a empreitada e marcaram as gravações nos dias 30 e 31 de outubro de 1968, no Grande Ballroom em Detroit mesmo.


A banda tocava com o volume no talo, as guitarras completamente distorcidas, propositadamente desafinadas, uma cozinha desgrenhada e pesada de verdade, somadas a fúria dos vocais, e o som dos amplificadores saiam distorcidos demais e para amenizar e tornar audível o som o jeito encontrado, pela produção, foi colocar perto dos amplificadores os microfones porque quanto mais longe estivesse mais distorcido e inaudível ficava o som. Uma unidade móvel de gravação foi descolada para fazer a gravação do disco. A expectativa era enorme em cima do disco que a priori que pensavam que seria a nova mania do pedaço. O show agradou a plateia, a Elektra, menos a banda que alegava já ter feitos outros bem melhores e mais livres do que aquele. Apesar de ser uma apresentação furiosamente arrebatadora e caustica as gravações não escaparam de a necessidade de serem corrigidas e numa tarde a banda voltou ao local da apresentação e refez algumas faixas.  

Lançado em fevereiro de 1969, Kick Out The Jams colecionou polêmicas e rendeu dores de cabeça para o grupo devido ao discurso e introdução declamado pelo mestre de cerimônia e líder espiritual da banda J.C. Crawford cujo discurso, aquele que está impresso na contracapa já citado, era completamente inflamado e incendiava a plateia trazia na última frase, na parte final dela, a palavra filho da puta. Esse fato ensejou sabores amargos e diversos revezes como, por exemplo, a devolução em massa dos álbuns mediante a solene recusa em vender os álbuns por conta desse detalhe. A Elektra tentou consertar, mas a banda não aceitou e também como não teve jeito de mitigar a situação de trocar o filho da puta por irmãos e irmãs, a banda foi relegada ao ostracismo comercial.


A verdade é que o MC5, apesar da polêmica, trazia uma verdade que estava impressa no discurso de abertura do disco: “eles eram a revolução”, mas mais do que isso o fio condutor de uma nova forma de conceber e de vivenciar a música, de transformar a utopia em realidade, e de cara o som rasgado e animalesco de “Ramblin’ Rose” está ali para lembrar dos propósitos do grupo que deveriam ser levados a enésima potência. A brutalidade de “Kick Out The Jams” que trazia abaixo os céus e faziam as ruas arderem em chamas frente ao discurso catártico de Tyner era o anúncio da mudança. A inspirada “Come Together” com suas toneladas de agressividade e transgressão que faziam tremer e delirar, agitar e rolar frenética e descontroladamente sem pensar em outra coisa que não seja uma outra vida, liberdade!

O espetáculo energético de “Rocket Reducer no. 62 (Rama Lama Fa Fa Fa)” é a reafirmação de toda a contravenção apresentada nesse registro que faria vibrar um Bakunin ou Kropotkin que sem dúvida elegeriam este álbum como trilha sonora para a revolução proletária. A rebeldia inconsequente e apaixonada de “Borderline” expurgava os limites em sua visão de amor livre sem fronteiras e nem limites transbordavam em linhas de violência instrumental de alta periculosidade, de desordem. Um blues power no sentido mais poderoso da palavra é encontrado em “Motor City Is Burning” que nada mais é do que o grito contra o racismo, o libelo pacifista anti-Vietnã a crítica declarada contra as mazelas sociais, “I Want You Right Now” é um rock direto, pesado e agressivo que conta com belos solos de guitarra. A viagem lisérgica e intergaláctica de “Starship” absorve até a alma em sua viagem experimental dentro do rock e do free jazz avassalador, uma canja brilhante de Sun Ra.    


Apesar da sonoridade refletir os anseios da juventude que estava frustrada e nada contente com a situação de um país em guerra, atolado em conflitos raciais, a explosão do movimento da contracultura visando a construção de uma nova sociedade da qual o MC5 era o porta voz através de sua música energética e vibrante, a banda não escapou do boicote das rádios que os ignoravam por conta da posição política, a polícia andava no pé nos shows para garantir que nada saísse do controle, isto é, para que não fosse cantada a parte polêmica “Filha da Puta”, mas quando isso acontecia tudo acabava mal para o público que tomava porrada da polícia para sossegar e a banda que não recebia o cachê. Fatos que violavam a liberdade de expressão constitucionalmente garantida naquele país, mas desde você expresse conforme a opinião de quem manda. Linda essa democracia, não?

Mesmo tentando silenciar, controlar, as atitudes do MC5 e fazê-los amansar não adiantou nada porque é evidente desde o primeiro acorde tocado em Kick Out The Jams que estávamos de frente para um novo estilo que acabava de nascer e transformaria o rock para sempre e deitaria profundas e robustas influencias naqueles que vieram depois e fundaram o movimento punk citando-os como as principais influências e escrevendo em definitivo o nome de Detroit no cenário e tudo isso graças a um álbum completamente inovador, em único suas propostas e que viu isto tudo se materializar nas gerações posteriores, que simplesmente só podem dizer “Kick Out The Jams, Motherfuckers!”.    

Lista de músicas

A1 Ramblin' Rose 
A2 Kick Out The Jams 
A3 Come Together 
A4 Rocket Reducer no 62 (Rama Lama Fa Fa Fa)

B1 Borderline 
B2 Motor City Is Burning 
B3 I Want You Right Now 
B4 Starship 
    



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